,lue são hoje, no Brasil, quase todos, mestiços. 0 Sr. Mário Filho
. ofereceu do assunto, em incisivas páginas, sugestiva interpre-
tação.10 0 mesmo é certo do grosso do pessoal do Exército, da
Marinha, da Aeronáutica, das Forças Públicas e dos Corpos de
Bombeiros: dos seus campeões nos sports, entre os uais os negros
retintos parece que são cada vez mais raros, Mora de modo
algum ausentes. Predomina o pardo. 0 mestiço. Pardos e mes-
tiços fortes, que vêm enfrentando vantajosamente os brancos e
os pretos nos jogos, nos torneios, nos exercícios militares.
Não nos esqueçamos da resistência dos cabras de engenho
-mulatos e cafuzos quase todos-nem da dos estivadores de
muitas das nossas cidades: quase todos mulatos. Como convém
não nos esquecermos de que passa por negro, no Brasil, muito
mulato escum sendo hoje quase impossível encontrarem-se, entre
nós, africanos ou pretos em sua pureza antropológica. Muitos
dos assim considerados são mestiços: dão a falsa impressão de
negros pela maior riqueza da pele em melania. Mas, levantado
seu perfil antropológico, identifica-se o mestiço. Descobre-se o
mulato. Mulato escuro mas mulato. Ou curiboca. 0 Professor Ro-
Wiette-Pinto chega a afirmar: "é quase certo que não existem
oje negros puros no Brasil". Um ou outro, talvez. 0 negro, no
Brasil , está quase reduzido ao mulato. 0 problema do negro,
entre nós, está simplificado pela miscigenação larga-que alagou
tudo, só não chegando a um ou outro resto mais só e isolado de
quilombo ou a um ou outro grupo ou reduto de brancos mais
intransigente nos seus reconceitos de casta ou de raça. Os pró-
prios grandes lideres XO que o negro conserva de mais intima-
mente seu entre nós-as tradições religiosas-são hoje mulatos.
Mulatos, alguns deles já muito desafricanizados nos seus estilos
de vida, mas que se reafricanizaram indo estudar na África. Tal
o caso de Pai Adão, do Recife, que se fez pai-de-santo em Laros;
que falava africano com a mesma facilidade com que fa ava
português. Situação semelhante à dos chamados "brasileiros" da
África: africanos e descendentes de africanos que, libertos, re-
gressaram à África no decorrer do século XIX, e cujos netos e
#
6,50
GrLBERTo FRE:YRE
bisnetos conservam costumes brasileiros, inclusive o culto de
Nosso Senhor do Bonfim por eles alterado para Nossa Senhora.
Assunto sobre o qual temos em preparo pequeno estudo, de cola-
boração com o pesquisador francês Pierre Verger.
Mas as tradições religiosas, como outras formas de cultura,
ou de culturas negras1 para ca transportadas, junto com a sombra
das próprias árvores sagradas, com o cheiro das próprias plantas
místicas-a maconha ou a diamba, por exemplo-é que vêm resis-
tindo mais profundamente, no Brasil, à desafricanização. Muito
mais que o sangue, a cor e a forma dos homens. A Europa não
as vencerá. A interpenetração é que lhes dará formas novas,
através de novas combinações dos seus valores com os valores
europeus e indígenas.
0 Brasil parece que nunca será, como a Argentina, pais quase
europeu; nem como o México, ou o Paraguai, quase ameríndio.
A substáricia da cultura africana permanecerá em nós através de
toda a nossa formação e consolidação em nação.
0 mulato nem sempre será, como os Machado de Assis-sofis-
ticado à inglesa-ou como os Cotegipe, os Montezuma, os Gon-
çalves Dias, os Dom Silvério, os Dom Luís de Brito, os Dom
José Pereira Alves, o cúmplice do branco contra o preto. Tam-
bém o cúmplice do negro contra o branco.
Essa sua influência africanizante vem se exercendo através das
mulatas que ainda hoje ensinam os meninos brancos a falar e,
dentro desse primeiro ensino de português, transmitem-lhes su-
perstições, cautos, tradições africanas; através das mulatonas gor-
das que cozinham para as casas dos brancos, africanizando com
seus temperos as próprias receitas francesas; através das qua-
draronas e oitavonas bonitas que pelo prestígio da beleza e do
sexo sobem dos mucambos até os sobrados de azulejo-amantes
de negociantes, de oficiais da Polícia e do Exército, de funcio-
nários públicos, de portugueses ricos, de italianos, de alemães,
de filhos de barões e de viscondes do tempo do Império. Mulatas
que, nessa ascensão, levam de seu meio de origem muita coisa
africana para os ambientes predominantemente europeus, reavi-
vando nuns e introduzindo noutros gostos ou valores africanos.
Substituindo às vezes alimentos e temperos europeus, utensílios
de cozinha europeus, artigos de vestuário íntimo europeus, cultos
domésticos europeus, por quítutes quase puramente africanos,
por temperos africanos, por utensílios de cozinha africanos, pela
chinela, pelo xale, pelo balangandã, pela figa, pelo c 'lto dos San-
tos Cosme e Damião, pelo excesso de jóia na decora -ao do corpo,
pelo de vermelhos, amarelos e roxos vivos na decon~ção da casa,
dos panos de vestido e da roupa de cama. E ainda o abuso de
material e de estilos decorativos africanos, adaptaü)s a coisas
européias-o emprego de conchas no enfeite de moldura de re-
#
trato ou de fotografia, or exemplo: o culto de orixás africanos
culto de mucambos- isfarçado sob outras formas de culto de
1
santos católicos, além dos ligados à devoção por S. S. Cosme e
Damião.
Vieira Fazenda, no Rio de janeiro, e Nina Rodrigues, na Bahia,
foram encontrar dentro de sobrados ilustres, os quartos de santos
e as capelas de certas casas-grandes patriarcais das cidades,
transformadas, em certos dias o ano, em verdadeiros pejis. 0
vigário ortodoxo que entrasse num deles havia de gritar de horror.
As mesmas velas de iluminar Nossa Senhora com o menino Jesus
nos braços, iluminando santos africanos dissimulados em santos
católicos: imagens vindas não de Portugal nem da Itália, nem
douradas na França, mas algumas vindas da Ásia ou várias feitas
aqui mesmo, a quicé, de cajá ou de cedro, por mão de mulato
ou de negro. Porque o mulato, sobretudo o amaricado, foi uma
das funções em que se especializou entre nós: a de santeiro. A
de escultor de santonofres, de santo-antoninhos, de nossas-senho-
ras de cajá. Santeiro ara mucambos e santeiro para os sobrados
aonde foram chega X0` formas semi-africanas de religião-tantas
vezes por intermédio daquelas quadraronas e oitavonas que a
beleza e o encanto do sexo elevaram de mulatinhas de mucambo
a senhoras morenas", donas de casas assobradadas ou iaiás de
sobrados nobres, E que aí se constituíram, pelo muito que lhes
ficou de sua formação meio-africana, em elementos africanizan-
tes, às vezes a contragosto delas, que prefeririam se parecer em
tudo às brancas. Que aí se tomaram maes, nem sempre legítimas,
de brasileiros ilustres cuja causa-a causa do reconhecimento dos
seus direitos civis de "filhos naturais"-teve significativamente em
brasileiros de origem humilde ou africana, aristocratizados pelo
saber técnico ou acadêmico em lideres políticos, defensores ardo-
rosos e lúcidos no Parlamento do ImpérioY
à hoje ninguém tem a ilusão de sermos nós, brasileiros-quase
toJos, mesmo em São Paulo e no Rio Grande do Sul, parentes
de mulatos-um povo verdadeiramente latino, muito menos rigo-
rosamente Cristão, no sentido em que o é, por exemplo, o povo
francês. (Não nos esqueçamos, de passagem, com relação aos
próprios franceses, que o Cristianismo que Renan encontrou à
sombra severa de Saint-Sul ice era um tanto diferente do Cris-
tianismo da gente do povo ~a Bretanha.) 0 Catolicismo, concor-
damos ter sido elemento poderoso de integração brasileira; mas
um Catolicismo que, ao contato-desde as Espanhas-com as for-
mas africanas de religião, como que se amorenou e se amulatou,
os santos adquirindo dos homens da terra uma cor mais quente
ou mais de carne do que a européia. Adaptou-se assim às nossas
#
condições de vida tropical e de povo de formação híbrida. De
modo que as portas de vidro dos santuários se abriram, no Brasil,
se escaricarararri mesmo, para deixar entrar orixás de cajá dis-
farçados em S. S. Cosme e Damião; São Beneditos pretíssimos,
Santas Ifigênias retintas, Nossas Senhoras do Rosário fortemente
morenas. Santos de cor que tomaram lucrar entre santo-antônios
cor-de-rosa e querubinzinhos louros, ruiv2os, numa confraterniza-
ção que nem a dos homens. Os santos e os anjos, tradicionalmente
louros, foram aqui obrigados a imitar os homens-nem todos
bumcos, alguns pretos, muitos mulatos-tornando-se, eles também,
parentes de pretos, de pardos e mulatos. Ou amulatando-se, amo-
renando-se. Até Nossa Senhora amulatou-se, engordou e criou
peitos de mãe-preta nas mãos dos nossos santeiros. E do proprio
Cristo a imagem que mais se popularizou no Brasil foi a do
judeu palidamente moreno, o cabelo e a barba pretos, ou então
castanhos; e não a do Nosso Senhor ruivo, que se supoe ser o
histórico ou o ortodoxo. É possível que qualquer insistência da
parte dos padres em impor à gente do povo santos todos orto-
doxamente louros ou ruivos, tivesse resultado em desprestígio
para o Catolicismo, formando-se, talvez, em volta dos altares
e dos santos, o mesmo ambiente de distância e de indiferença
que foi crescendo em torno do trono e dos imperadores e regentes
louros, a tal ponto de poder dizer-se-repita-se-corn muito exa-
gero, mas não sem certo fundo de verdade, que o primeiro Im-
perador fora destronado por não ser nato, o segundo, por não
ser mulato.
Para Azevedo Amaral, os heróis autênticos para a gente do
povo, no Brasil, os que "se fixam como ídolos na consciência
popular" são "os que exprimem nas suas atitudes e nos seus ges-
tos os traços mais fortemente antietiropeus do psiquismo brasi-
leiro".18 OS traços negróides e caboclos. E contrasta a indiferença
pela figura de branco de Caxias com o entusiasmo pelos traços
caboclos de Floriano.
Talvez exagere o arguto publicista. Nada, orém, mais natural
C)
que essa preferência pelos heróis em cujas figuras a massa en-
contre o máximo de si mesma. Seu nariz, sua boca, seus olhos,
seus vicios, seus gestos, seu riso. Há mesmo aí uma das formas
mais poderosas de integração vencendo a diferenciação: o herói,
o santo o çTênio se diferencia pelo excepcional da coragem, da
santidãe, Xá inteligência; a massa, porém, o reabsorve pelo muito
ou pelo pouco que encontra nele de si mesma. Afinal, não existe
herói, riem gênio, nem mesmo santo, que não tenha retirado da
massa algim---ia coisa de stia
grandeza ou de sua virtude; que não
guarde traços da massa em sua si)p(-ri oridadt- de pessoa exceN,-
uional. Almins cheuain exaje:á(lLiiiii-it(- a considerar o li(mem e
gemo um ladrão: ladrão do tesouro que o povo juntou e ele só
fez revelar. A riqueza transbordou nele, vinda de outros. De qual-
quer jeito, a massa tende a recuperar o que o herói ou o indi-
#
víduo de gênio de certo modo lhe usurpa, exagerando os traços
de semelhança e os pontos de contato entre os dois, massa e
herói: os traços caboclos de Floriano ou de Carlos Gomes como
os negróides de Montezuma, de Torres Homem, de Rebouças,
de José do Patrocínio. Há no culto dos heróis um pouco de agra-
do de gato-o clássico agrado do gato ao homem: parecendo
estar fazendo festa à perna do dono, o ato afaga volutuosamente
o próprio pêlo. Assim a massa negroJé ou cabocla quando en-
contra herói ou santo de cabelo de índio ou de barba encara-
pinhada regozij . a-se nele mais do que num herói louro; é um
meio de afagar os próprios pêlos nos do herói, nos do gemo, nos
do santo.
Essa tendência não se limita aos países de miscigenação, como
* nosso, com relação aos tipos negróides ou indianóides em quem
* massa surpreenda, não sem certo narcisismo, talento superior ou
9 ualidades de direção iguais às dos brancos-outrora os senhores
unicos ou exclusivos: os generais, os sábios, os doutores, os ba-
rões, os bispos. E a "consciência de especie 11 agindo de baixo
para cima. E essa tendência ou essa consciência se encontra nos
países onde domina no povo o tipo louro, com relação aos vultos
superiores que sejam também louros, são os preferidos. Do mesmo
modo que os vultos superiores mais afastados desse tipo difícil-
mente ganham popularidade em países de gente r-uiva. 0 segundo
Coleridge-quase tão genial quanto o primeiro-nunca teve na
Inglaterra a popularidade merecida; e a razão está, pelo menos
em parte, na barba de turco que lhe dava ao rosto, mesmo esca-
nhoado, uma sombra antiinglesa e quase negróide. Os seus bió-
grafos destacam não só os vexames como a antipatia que lhe valeu
barba tão dura no rosto desde os tempos de adolescente.
Na Rússia, se um negióide corno Pushkin alcançou populari-
dade fácil, tornando-se o maior poeta de todas as Russias, e que
o povo, so em parte, louro, se liabituara aos homens de gênio
n
de feições nitidamente mestiças e profundamente anticuropéias:
mongolóides do tipo que teria em Dostoiévski sua expressão mais
completa; e do tipo de Gorki e de Lenine, ern nossos dias.
Não Lá dúvida de que no Brasil "em contraposição à mesti-
çagern etnica" persistem, como salienta Azevedo Amaral, as cul-
turas "identificadas com as três raças formadoras da etnia na-
cional".11 Principalmente a européia e a negra-as negras, (liria
o Professor Ileisko\its.-'0 I)tividamos, port 1 ni, (pie se pos~a (li7(,r
dessas cultuias que se, mantém entre nós 1soladas e opo11(lo as
ontras os çcws \alores éticos, inetalí,icn~_ so c, i a i s, i ~ i, w~ (-
I
#
políticos", como pretende Azevedo Amaral. Precisamente o cara-
terístico mais vivo do ambiente social brasileiro parece-nos hoje
o de reciprocidade entre as culturas; e não o marcado pelo do-
mínio de uma pela outra, ao ponto da de baixo nada poder dar
de si, conservando-se, como noutros países de miscigenação, num
estado de quase permanente crispação ou de recalque.
Reciprocidade entre culturas que se tem feito acompanhar de
intensa mobilidade social-entre classes e entre regiões. Mobili-
dade vertical e mobilidade horizontal. Talvez em nenhum país
da extensão do nosso, o indivíduo do extremo Norte-do Pará,
digamos-se sinta tão à vontade no extremo Sul e encontre, con-
forme seu temperamento mais do que conforme sua origem
étnica, tantas facilidades de ascensão social e política. É o caso
de centenas de bacharéis cearenses, paraenses, sergipanos, baía-
nos, pernambucanos-vários deles negróides ou caboclos-que têm
feito carreira no Rio Grande, no Paraná, em São Paulo e até
governado esses Estados e os representado no Parlamento ou no
Congresso Nacional. Talvez em nenhum outro país seja possível
ascensão social mais rápida de uma classe a outra: do mucambo
ao sobrado. De uma raça a outra: de negro a "branco~' ou a
11 moreno" ou "caboclo". De uma região a outra: de cearense a
paulista. Juliano Moreíra sabe-se que era filho de negra de tabu-
leiro. Luís Cama, de simples escrava. 0 negro Rebouças, conta-
-se que acabou dançando quadrilha nos bailes da Corte com a
loura Princesa Isabel.
Por outro lado encontram-se brancos, no Brasil-brancos, quase-
-brancos e até louros-que desceram de classe, em vez de se
conservarem na de origem; e são hoje os "brancosos", os "ama-
relos", os "come-sapo-com-banana", tão desdenhados pela gente
da classe inferior, de cor mais carregada que a deles. Como a
maioria dos negros, dos mulatos e dos caboclos mais escuros, eles
n
moram em mucambos: em casas todas de palha ou cobertas de
palha como as da Ãfrica; comem com os dedos em cuias à ma-
neira dos índios e dos negros; andam descalços; dormem em rede
ou em palha de coqueiro. E como os africanos, eles se servem
de folhas de bananeira em vez de pratos; seus meninos andam
nus; suas mulheres dão preferência aos vestidos vermelhos, como
as índias e as negras. Mulheres e homens preferem receitar-se
com os curandeiros e com as ervas do mato a se servir dos re-
médios de frasco, preparados nas boticas e nos laboratórios,
outros preferem os pais-de-santo aos vigários. Onde a cultura,
o estilo de vida, ri(~jidarnente identificado com a raça' A tese de
Azevedo Amaral parere t-,-io falsa como o "arianismo" do Professor
Oli,.cira Viana que, aliás, corri o estudo mais meticuloso do as-
sumo, vem modificando sabiamente seus primeiros e radicaís cri-
téríos de interpretação etnocêntrica dos problemas brasileiros de
raça e de cultura.21
Se é certo que somos móveis nos dois sentidos-no horizontal
e no vertical-é que não são tão rígidas as configurações psico-
#
o
lógicas de raça e de classe no nosso País. 0 pernambacano julga
encontrar mais afinidades com o rio-grandense-do-sul, 'ou entio
com o paulista,'do que com o baiano, seu vizinho. E não deixa
de ter suas razões. 0 pernambucano, como o gaúcho, e ao e.i,-
trário do baiano, é amigo da luta e antes rusticamente cavalhei-
resco do que maciamente urbano. Como o paulista, seco e calado
e não como o baiano, ou o carioca ou o cearense, fácil de aca-
maradar-se com estranhos. Rígida a psicologia de raça que Aze-
vedo Amaral atribui importância tão grande em nossa formação
pretendendo explicar por ela as divergências psicológicas mais
profundas, entre os vários grupos de brasileiros, conforme a par-
cela desta ou daquela raça que predomina em cada um; rígida
a psicologia de raça, como esclarecer aquelas evidentes afinidades
do pernambucano com o rio-grandense-do-suI, quando absoluta
a repercussão da raça sobre o comportamento do homem, as afi-
nidades do pernambucano deveriam ser todas ou quase todas
com o baiano do Recôncavo e não com o gaúcho espanholado
do extremo Sul ou com o paulista? É que talvez as afinidades
venham antes de pontos de semelhança na formação social dos
três: do pernambucano e do rio-grandense-do-sul e do paulista.
Formação menos volutuosa e menos descansada que a do baiano;
mais guerreira e mais independente da Corte ou da Metrópole;
mais avivada pela responsabilidade de estarem sempre defen-
dendo a terra, o Brasil, a América Portuguesa com o próprio
esforço e o proprio sangue. Através dessa formação, teriam se
desenvolvido nos três grupos tradições de luta, de independência,
de caudilhismo, de separatismo e, ao mesmo tempo, de libera-
lismo. Apontam-se hoje verdadeiros traços de união entre as re-
voluções pernambucanas e as rio-grandenses-do-sul, nos princí-
pios do século XIX. Entre os dois separatismos, os dois republi-
canismos-o do Norte e o do SUI.22
Pelo menos no caso da afinidade, vamos provisoriamente dizer
psicológica, de um grupo de nortistas de composição étnica quase
igual à dos baianos, com sulistas de formação étnica predominan-
temente européia, pelo menos quase isenta de sangue africano
quando comparada com a pernambucana ou a baiana-c t,,'or raça
empalidece sob a atuação, evidentemente mais poderosa, ele se-
melhanças de formação histórica. Ou de experiência social.
já não se dá tanto crédito, corno oiarora, à fácil psicologia
de raça que por tanto tempo consistiii ciri associar, de modo
absoluto, à raça do índivíduo ou (Ia nação ou região, qual 1 des
#
ou defeitos. Fácil psicologia, segundo a qual o homem mediter-
râneo seria sempre, por dura determinação de raça, volátil, apai-
xonado, instável, imaginoso, com muita queda para as artes plás-
ticas e gráficas, mas sem a pertinácia dos nórdicos, nem a sua
coragem, o seu amor de independência, a sua fleuma, a sua
cap cídade de direção. De positivo, ou através.de meios técnicos
e inensuração e comparação, pouco se sabe ainda das diferenças
mentais e de tempeiamento entre raças; e menos ainda sobre
essas diferenças, em tez-mos claros de superioridade e de infe-
rioridade. As superioridades e inferioridades de raça se acham
consagradas a enas, umas pelo bom senso popular, outras só pela
b p
meia-ciência, sempre tão enfática, dos psicólogos de ~egunda e
dos sociólogos de terceira ordem. No mesmo caso se acha o pro-
blema da relação da inteligência e do temperamento do mestiço
ou do mulato com a inteligência e o temperamento das raças mais
puras; a idéia de que o inulato reúne sempre todos os defeitos,
sem possuir nenhuma das qualidades, do branco e do preto. A
idéia, também, de que o mulato não passa de sub-raça instável,
incapaz dos grandes esforços de criação intelectual e de direção
política: só das improvisações e dos brilhos fáceis.
Entretanto, nunca será insistència deinasiada recordar este fato:
dentro do regime de economia escravocrática, a parte branca, e
quando muito a mameluca, da população brasileira, é que des-
frutou as melhores oportunidades-pelo gosto dos Jesuítas teria
desfrutado as únicas-de deseiivolvi~iieritc~iiitelecttia1 e de ascen-
são social. Mesmo assim, alguns dos inaiores exemplos de capa-
cidade intelectual e artística em nosso País, deram-nos, sob a
sombra abafadiça daquele iegime de privilégios para os brancos
In CD
e para os marriclucos, liomens do jenj'o do Aleijadinho-filho de
negra--e de Antônio Vicira- e negra; mulatos, quadrarões
ou oitavões como Caldas Barbosa, Silva Alvarenga , Natividade
Saldanha, Gonçalves Dias, Machado de Assis, Montezuma, os
Rebouças, José Nlaurício, Torres Homeiri, Saldanha Marinho, ju-
liano Moreira, Lívio de Casti-o. Todos eles se revelaram capazes
de esforços notáveis de criação intelectual e artística; e alguns
foram, também, expressões d~ firmeza de qualidades morais. 110-
nestos como Machado, os Bebouças, juliano Moreira, na sua
vida pessoal como na pública e na aitística.
Deve-se, aliás, salientar este aspecto honroso para a honesti
do mestiço biasileiro: ser capaz de assumir ati
tudes contra o fácil ii,ti-ciÁsino que o levaria, tão docenlente, a
cou,~iderar-se a sobição idu~t1 para o problema de rela( , oes eidre
Íis raç,~s. C0111 (IcitO, OS 111M . orc~ do eijtre
nós tCIII sido 111e~tic , os 011 indi\1,111OS 1,111 SUA COMpo-
Síçao ~tilici. ---A~i,tili-fá- foi~ ( l~I cvrta d~ víd~ de guer
dacle intelectual
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rilheiro intelectual, Sylvio Romero-cuja fisionomia acusava em
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