oportunidade de se encontrarem com extraordinário poder nas
mãos: o poder re )resentado pelas rédeas, pelo chicote, pela car-
tola, pela altura à boléia nas carruagens majestosas. Quase uns
tronos para esses capoeiras de um novo tipo.
I
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536 GILBERTO FRE= SOBRADOS E MUCAMBOS - 2.0 Tomo 537
Na hierarquia dos escravos, os boleeiros ou cocheiros passaram
a ocupar um dos primeiros lugares. E dessa primazia, muitos abu-
saram, tomando-se insolentes para com os peões ou os pedestres.
Outros, excedendo-se na velocidade. Mais de um europeu dosque
estiveram no Brasil na primeira metade do século XIX, deixou
registrado o seu espanto ante a velocidade extraordinária com que
os carros rodavam pelas ruas do Rio de janeiro. Um desses euro-
peus foi Radiguet. E dele a expressão "vitesse extraordinaire" para
caraterizar o excesso de velocidade dos carros, que, de repente,
tomou perigosas as ruas do Rio de Janeiro.108 Tanto mais peri. osas
9
quanto não eram raros os boleeiros bêbados. "Quern tiver hum bo-
lieiro que não seja bebado ou fujão, e o queira vender procure na
Rua Direita ri. 90", diz significativamente um anuncio no Diário
do Rio de Janeiro de 3 de janeiro de 1822. Dos boleeiros de carros
de aluguel se sabe que alguns se tornaram famosos como alcovi-
teiros. Outros como tocadores de violão, do qual não se separavam.
Grant registrou à pAgina 146 da sua History of Brazil: "It is very
common to see black drivers of hackney carriages at Rio, in the
intervals of employment, amusing themselves by playing on some
musical instrument, most commonly a guitar."
Outras novidades, além das carruagens de novo estilo e capazes
de extrema velocidade, foram aparecendo nos anúncios dos jornais
com um brilho demoníaco. Máquinas de toda espécie. Inclusive
veículos que complexamente reuniam, na situação em que eram
expostos à venda, os três elementos para o serviço dos senhores
de sobrados: escravo, animal e máquina. Tal a carroça que reponta
como um modernismo no mesmo Diário, edição de 4 de fevereiro
de 1822: "huma carroça com a sua besta e hum preto muito habil
para andar com a mesma". Vendiam-se os três juntos. Também
vendiam-se cavalos só para carros: ". . . cavallos ensinados para car-
ruagem", diz um anúncio no Diário do Rio de janeiro de 26 de
fevereiro de 1822. Escravos só para lidar com cavalos ou carros,
embora às vezes fossem ainda copeiros: "born copeiro para hum
Fidalgo assim como tambern para page de acompanhar de caval-
leria e tambem entende de montar na Bolleia", diz outro anuncio
do mesmo Diário de 8 de março de 1822, "Hum molecão de boa
figura [ .... ] que sabe tratar de cavalgaduras e com muita incli-
nação para bolieiro", diz ainda outro anuncio, no Diário do Rio
de Janeiro de 15 de março de 1825.
A 24 de janeiro de 1818, Pedro José Bernardes anunciava ter
para vender, não carruagens ou carroças mas "hum alambique
chegado proximamente de Londres"-máquina que exigia escrav . os
hábeis para a dirigirem. já era aparelho conhecido no Brasil "onde
se encontram varios da mesma invenção que se tornam em grande
proveito e utilidade dos Senhores de Engenhos, pelas suas boas
3ualidades". Quem o pretendesse, procurasse Bemardes "a caza
e sua residencia, Rua dos Pescadores n.o 9" onde poderia ver
#
a factura original, e a planta do dito alambique~.
Da mesma época são vários outros anúncios carateristicos da
revolução técàica que então se operou em nossa vida: anuncios
de "caramujos, juras, atins e taixas para obras de nwrcineiro",
vindas de Londres "do ultimo gosto e muito moderno";109 de
"Varios instrumentos de cirurgia , da mesma origem;110 alguns
até fabricados pelo "celebrado Weis, fabricante de instrumentos
círurgicos do Hospital Real de Greenwich";111 de "ingenho [sic]
de serrar de todas as rossuras e larguras com muita velocidadi
e também "hum ingento para engorrimar roupa com grande velo-
cidade", vindos de Londres.112 Várias dessas máquinas, para so-
brados urbanos. 0 Conde da Barca tinha em casa, no Rio de
janeiro, tornos ingleses e "huma Maquina para moer trigo com
duas moz e serrar madeira" e, ao mesmo tempo, "hum bom offi~
cial de ferreiro", como consta do Diário do Rio de janeiro de 15
de março de 1822.
A 21 de agosto de 1819 era João Gilmour que anunciava pela
Gazeta do Rio de Janeiro terem-lhe chegado de Londres engenhos
tanto -para manufacturas de assucar, distillações, como para qual-
quer outro effeito", além de ele próprio ter trazido consigo dois
engenhos completos, e de nova invenção, para moer cana, e tem
armado hum no Trapiche da Ordem, aonde convida a todos os
senhores interessados em engenharia para o examinar; e se offe-
rece a tomar com exactidão qualquer encomnienda de engenhos
ou machinas, e transmittil-os à fabrica em Londres, para sua
execução, afim de prevenir a ocurrencia de enganos e demoras ,
taes como suceederão com algumas encomniendas transmittidas
à sua caza anteriormente." E a 8 de dezembro do mesmo ano de
1819 aparece na Gazeta "Thomaz Reid, Inglez, que ha pouco
tempo veio de Jamaica para reformar a moda das fornalhas ~ara
L .
L .
fazer assucar" dizendo-se pronto a "começar logo a reforma -os,
para cosinhar com ba
)gaço ou lenha posta por debaixo de huma
caldeira para fazer to as as outras ferver". Os "particulares" inte-
ressados no assunto que se dirigissem "à caza de Ewing e Hudson,
Inglezes, n.O 3, Rua dos Péscadores".
Pela Gazeta de 1 de janeiro de 1820 é Ladislau do Es Írito
Santo quem anuncia ter para vender "4um excellente conâuctor
para raios com todos os seus pertences '[ .... ] tudo de bronze";
e pela de 12 de julho, do mesmo ano, Costa Guimarães, da Rua
do Cano n.O 13, "faz saber que tem os ferros seguintes, engenho
fara assucar, de differentes tamanhos, os mais completos e aper-
éiçoados, tachos e caldeiras, portas para fornalhas de engerinos
e alambiques, tachos dedifferentes tamanhos com tampas, grelhas
li
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538
CALBER-ro FREYRE
e portas para fogões de cosinhas economicas no combustivel, e
uteis à saude das cosinheiras, fornos de differentes tamanhos para
assar com o mesmo fogo das cosinhas, aguilhões com piões, bron-
zes e mancaes para moendas de pao, rodas de ferro para carri-
nhos de mão, fornos de ferro para torrar a farinha de mandioca
e, mais que se offerecer, cosinha portatil economica de vapor
que ao mesmo tempo serve para assar." Ainda no mesmo ano,
na Gazeta de 5 de agosto, aparecem jackson e Richardson anun-
ciando ter recebido pelo navio Regente, vindo de Londres, "hum
sortimento grande de sellins, freios, &C., com todos seus perten-
ces tanto militares corno outros", 1anternas ara carruagens e
arreios para hum e quatro animaes de liu----- Segancia superior',
oculos de alcance , estojos de instrumentos mathernaticos , "pen
teS", "navalhas". E a 11 de novembro de 1820 a Gazeta traz um
anúncio em que aparecem "oculos de theatroS" e 'mappas geo-
graphicos". Artigos, na sua maioria, destinados a sobrados urba-
nos e à fidalguia das casas assobradadas das cidades, geralmente
mais pronta que a das casas-grandes do interior em adotar da
Europa burguesa fogões ingleses de cozinha, rodas de ferro para
carros de mão, arreios elegantes, máquinas de moer trigo, milho,
mandioca, e carroças e carruagens rápidas, que, dirigidas por
escravos hábeis e servidas por animais ensinados, reduzissem nos
mesmos sobrados e nas mesmas casas assobradadas o numero de
escravos necessários ao serviço patriarcal e 6 uso de pilões e
borralhos rústicos.
A 15 de setembro de 1821 trazia o Diário do Rio de Janeiro
anúncio de "huma pequena e simples Machina res Iratoria que
serve de introduzir o banho de vapor no Bofe quanTo esta entra
nha está doente..." É do mesmo jornal e da mesma época o
anúncio de outra májuina sedutora: "Huma charrua das
e.
mais modernas e aper eiçoadas em Inglaterra, onde os instrumen-
tos aratorios estão em grande perfeição.. ."18 E mais este, sig-
nificativo da atenção que se começava a dar às estradas em con-
seqüência do próprio desenvolvimento das carruagens em subs-
tituição às liteiras e aos animais de sela: "Huma Machina para
compor estradas" que, aliás, surge ao lado de outra, "de preparar
o linho". 114
Precisamente nessa época começou, entre nós, a haver uem
se batesse pela rápida mecanização da nossa indústria e pe?à in-
dustrialização da nossa economia. Em "Falla dirigida ás Senho-
ras" criticava um desses precursores o "depravado uso, em que
estamos, de nos vestirmos do que fabricão os Estrangeiros, a uem
se dá o alimento que se nega ao Artista Nacional, S-se
* remotos climas o numerario que, circulando dentro do Reino,
* livraria do abismo da pobresa a que está reduzido". Contra o
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SoBR~ z MucA~ - 2.0 Tomo
539
que as senhoras poderiam reagir "privando-se de usar de iminen-
ws cousas que lisongeão o appetite e que se não fazem ainda,
ou se fabricão mal entre nós . .."115
o mesmo sentimento moveu, Da mesma época, Inácio Álvares
pinto de Almeida a tomar a iniciativa de uma exposição de má-
uinas que despertasse a gente do Rio de janeiro para a impor-
rncia de substituir-se o braço do escravo e a própria energia do
. mal, ela máquina, "em beneficio da Industria Nacional". É
o que efé próCrio declara pelo Diário do Rio de Janeiro de 15
de setembro de 1821: que "deseando ardentemente que a In-
dustria Nacional deste Reino Uni~EO se anime mais [ .... ] abrio
com permissão de S. M. huma subscripção annual com cujo pro-
dueto se vão comprando Machinas ou Modellos que expostos
ao Publico possam ser vistas francamente, copiadas e empre-
gadas em beneficio da Industria Nacional deste Reino Unido em
=e infelizmente os braços dos Escravos são uasi as unicas Ma-
conhecidas que se empregão, compraJas a tanto custo e
tão precarias, como pouco conformes aos principios da huma-
nidaae christã..." Entre as máquinas a serem expostas anunciava
"huma machina para joeirar grão sem dependencia de que o
tempo seja bom" e "huma machina que ao mesmo tempo rala a
Mandioca, espreme e peneira a massa..."
A 13 de fevereiro de 1828, o Jornal do Commercio nos informa
existir no Rio de janeiro um "moinho de Vapor" onde se vendia
arroe e "farellos de arroz", assim como "vergantas de pinho da
Suecia. e Riga de todas as bitolas". E à B os Pescadores ven-
diam-se, pela mesma época, "4 fomos de cobre feitos em Ingla-
terra, e da111 proximamente chegados, proprios para torrar farinha
de mandioca, os Xacs terão 1040 a 1050 líb."l" Na Rua dos
Ourives, n.O 84 a ava-se então à venda, na "fabrica de rapé",
*huma machina de nova invenção para descascar caffé [ .... ] a
mais util da ellas que até agora tem ai)parecido"."7 E na Rua
Direita n.O ;2,ualém ae pianos novos "de Luma e de duas frentes",
urelogios de todos os tamanhos, alguns com tambor e trian-
, o com a maior parte das peças Brazileiras", "orgãos de igreja",
rã,
selins de homem e de mulher", "freios", "faqueiros com facas
e garfos cabo de marfim", "navalhas finas de barba", "thesouras,
canivetes, oculos de Doeland, quadrante, cometas de 7 chaves,
frauta?.118
A 14 de janeiro de 1830 o mesmo Jornal do Commercio anun-
ciava: "Ha huma nova machina, movendo 6 pilões, tendo cada
mão 70 libras de pezo e levantando-as 4 palmos. As experiencias
se fizerao por espaço de hurna hora e 45 minutos, em que apromp-
tou 5 alqueires de arroz..." Além de forte e veloz, a "nova ma-
Chine era econ6mica; e o seu custo, 510.000 Rs., verdadeiramente
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540 CiL=To FREYRE SoBRADos F MucAimos - 2.1 Tomo 541
extraordi.,ario numa época em que "tudo he tão caro como pre-
sentemente está nesta capital".
A 15 de fevereiro de 1830 era.ainda o Jornal do Commercio
que anunciava ter se aberto no Campo da Aclamação, lado da
Rua do Conde ri.0 105, "huma casa composta de trez fabricas",
inclusive uma de "licores finos de diversas qualidades". Vinham
esses licores competir com os feitos -por freiras, nos conventos,
e por iaiás de engenho, nas casas-grandes, de maracujá, de jeni-
papo e de outras frutas da te rra. As outras duas fábricas eram,
uma de refinação de açUcar, outra de "chocolates de varias qua-
lidades": esta outra rival do fabrico caseiro, doméstico, patriarcal,
de doces e confeitos.
A 10 de março do mesmo ano, trazia o jornal o anuncio de
estar para vender à Rua dos Pescadores n.O 39 "hum excellente
sortido de amarras e ancoras de ferro chegadas proximamente de
Inglaterra..." E a 13 de março de 1830 prevenia-se ao público,
ela seção de anuncios do mesmo diário, que "agora as machinas
e Carlos Bertran para agricultura e industria achão-se augmen-
tadas de huma nova machina mui reconimendavel tambem pelos
seus grandes effeitos..." Tratava-se de novo aparelho para %u~-
car em qualquer profundeza, o ouro, os-outros metaes, pedras
finas e agud' e "para tirar as raizes das mattas roçadas e alímpar
as terras novas". Anuncios de particular interesse para os se-
nhores de casas-grandes que não quisessem se deixar ultrapassar
de todo pelos senhores de sobrados na substituição de escravos
e de animais por máquinas revolucionárias e até mágicas.
A 15 de março do mesmo ano o Jornal anunciava que C.
Cannel tinha para vender em sua casa "na rua detraz do Hos-
icio n. 3 [ .... 1 huma bomba com seus pertences para machina
e vapor". Bombas de apagar in--^ndio já eram então conhecidas
no Rio de janeiro, para proteção dos sobrados nobres contra o
fogo, embora a capital da Bahia, sempre mais retardada que a
Corte e que o proprio Recife na adoção de novidades inecáfficas,
chegasse quase ao meado do seculo XIX sem "uma bomba sequer
de incendio". Tendo havido ali grande incêndio na noite de 3
de novembro de 1848, a única bomba que apareceu no meio das
ruinas fumegantes" fora a das "corvetas francesas surtas no
porto". Contra o que bradou o Correio Mercantil em artigo de
que o Jornal do Comniercio, da Corte, de 13 de novembro de
1848, destacou alguns trechos: "É miseria ainda maior no arsenal
de marinha não haver machados e se andar a pedir pelas portas
algum por em restimol"
Em PernarriRco, sabe-se que, dentre as novidades técnicas
introduzidas por europeus desde os primeiros decênios do século
XIX e que foram importando na substituição de escravos e ani-
mais por máquinas, carros ou aparelhos, destacou-se o aparelho
do francês Cambronne. Chamava-se ele Charles Louis Cambronne
e era -engenheiro.119 Também ônibus-inovação inglesa-embora
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não cabs, do tipo dos que foram, ainda na primeira metade do
século XIX, introduzidos na Corte pelo Sr. Guilherme Suckow
sob o nome de "cabs im - "com cocheiro na frente", segundo
,1 griaes
refere noticia no Jo o Commercio de 14 de dezembro de 1849.
Enquanto em 1828-ano típico da revolução técnica, social e
não apenas comercial ou econômica por que vinha passando o
Brasil desde 1808-exportávamos principalmente aguardente de
cana ou cachaça, algodão de Minas Novas e de Minas Gerais,
aiifi,,,arroz de Santos e da terra, açúcar de Campos, de Santos
e da terra, cabelo de cavalo, café, carne, cabo, chifres do Rio
Grande, -couros, graxa do Rio Grande, jacarandá, ipecacuanha,
sola, tabaco Maependim, tabaco Piedade, ta ioca, tatagiba,1,11 im-
portávamos largamente aço, ferro, cobre, cEU11mbo em barras ou
sob a forma de amarras, áneoras, arame, arreios de carro ou de
cavalo, carruagens, instrumentos de cirurgia, chumbo de munição,
fechaduras de porta, candeeiros, cobre para forro, folhas-de-flan-
dres, pregos, arame, máquinas, caldeiras, fomos, relógios, fogões,
carvão de pedra. Duros, negros e cinzentos artigos que o começo
de substituição do escravo pelo animal, dos dois`pel(; colono euro-
peu e pela máquina a vapor, dos palanquins e bangilês do,Oriente
Felos carros velozes, de duas e de quatro rodas, do Ocidente,
oram tomando essenciais à nossa economia, à nossa vida e à
nossa cultura; ao novo ritmo se não de produção ou de trabalho,
de existência ou de recreação que muitos adquiriram de repente
dos europeus do Norte, exagerando-o como em geral os novos-
-ricos, os novos-poderosos ou os novos-cultos,
Não tardariam a nos chegar, inteiros ou em esqueletos, barcos
a vapor. E no meado do século, trilhos de vias férreas, locomo-
tivas, vagões. Viriam os canos: água encanada das fontes para
as casas. Canos de esgotos das casas para o mar ou para os rios.
Aparelhos sanitários como os "cambronnes" do engenheiro francês
em Pernambuco. Canos -de gás.
Erao desaparecimento do chafariz, da aNua carregada por
escravo, do excremento conduzido por negro, as ruas iluminadas
a azeite, quando não pelos particulares que se faziam preceder
por escravos com lanternas ou tochas. Toda uma revolução téc-
=oque assumiria aspectos de renovação não só da economia
da organização social e da cultura brasileira. Da própria
paisagem. Principalmente na área dos sobrados e dos mucambos.
Na própria indústria do açúcar e na organização social e de
cultura baseada sobre a mesma indústria e sobre a agricultura
da cana-a área, por excelência, das casas-grandes assobradadas e
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542
GILBErao FREYRE
de senzalas já ladrilhadas como a do Engenho Salgado em Per-
nambuco-foram consideráveis as alterações, trazidas pela substi-
tuição das almanjarras pelas máquinas a vapor e da lenha pelo
bagaço para aquecer as fornalhas, embora a velha indústria e a
lavoura de cana procurassem conservar-se quanto possível fe-
chadas-como procuraremos indicar em ensaio próximo-às con-
seqüências sociais de tais alterações. Normalmente, sob condições
de'clima mais favoráveis aos brancos que as do Norte do Império,
e dentro de leis de terra ou de propriedade menos favoráveis
aos latifúndios quase feudais dos grandes senhores de terras, te-
riam as alterações técnicas importado em maior substituição de
trabalhadores escravos por homens livres e até na introdução
-que quase não se verificou na região açucareira-de colonos
europeus, como técnicos e lavradores peritos.121 E, ainda, na asso-
ciação cooperativa de senhores de engenhos em tomo dos novos
engenhos-os depois chamados centrais-para aumento da quanti-
dade e aperfeiçoamento da qualidade do produto e maior e me-
lhor cultura de plantas de alimentação. Aperfeiçoamento por meio
de aparelhos ou de máquinas que reduzissem ao minimo o custo
da fabricação do açUcar,122 reduzindo o numero de escravos e
de animais a seu serviço.
"A introdução das machinas" e "o estabelecimento de colonos",
consider*va-os Henrique orge Rebelo, em memória publicada em
1836, inseparáveis: os "alicerces sobre que o Brasil deve fundar
seu novo edificio de prosperidade nacional ."123 Ao seu ver, do que
Imente se devia cuidar num país excessivamente preo-
com a importação de africanos para o trabalho escravo
era de "mandar vir machinas ~ara supprir a carencia de braços
124
que soffre". À mesma cone usão legara, no fim do século
XVIII, Dom Femando José de Portugal que, em carta de 28 de
março de 1798, a Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, recomendava
o uso, na Bahia, de bois e arados para cultivar as terras assim
como a economia das lenhas nas fornalhas dos engenhos pelo
método de "queimar as cannas já moidas como praticam os In-
glezes e Francezes nas Antilhas".125
Pois "o Proprietario que para seu trafico agricola necessita de
100 Africanos, com a introducção de machinas poderá bem dis-
pensar W.126 Mandando vir colonos alemães, suiços e de "outras
nações civilisadas que os podem di nsar", "nossa Civilisação-
W2, se engrandecendo, no
se engrandeceria, corno já estava, a ia
extremo Sul e em São Paulo. Nessa província-a de São Paulo-
a cultura da batata chamada vulgarmente ingleza" se elevara
graças a colonos europeus, a "alto grao de perfeição", abastecendo
* população paulísta e exportando-se o excesso para Minas, Coiás
* Rio de Janeiro.127
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SOB~S E Muc~ - 2.0 Tomo
543
Mas não era só a conseqüência econômica dessa renovação de
população que devia interessar ao novo Império. Rebelos e Cal-
mons enxergavam a importância de conseqüências sociais e cul-
turais da imigração de europeus de países tecnicamente adian-
tados, importância representada pelas novas técnicas de produ-
çãO e de transporte que eles traziam para o Brasil. Por exemplo:
os "carros sobre eichos que facilitão a conducção de muitas arro-
bas de mercancias differentes por meio de 2 bois, o ?ue até então
X
os nacionaes não faziam com 4 ou T. Ou __ - - - - , ~ o: o aperfei-
Ç0! mento no fabrico de carvão, elevado "a hum grao de apuro
tal que São Paulo, só com uma camada de bons imigrantes do
Norte da Europa sobre sua velha população rnameluca salpicada
de sangue africano, passara a fornecer carvão ao trem militar,
além de abastecer-se abundantemente do combustivel. 128 E ainda
outro: o fabrico de saboroso queijo e de boa manteiga que "por
muitas vezes tem soccorrido o pais na falta da do extrangeiro
que se importa " . 129
Iguais vantagens vinham sendo trazidas a outras áreas por
europeus do Norte da Europa, alguns do tipo que, no século
XVII, político ou economista português enviado ao Brasil, ara
observar a situação da economia colonial, ia classificava de -Cr-
guês": "...Inglezes e Francezes e quantos Burguezes tem o
Norte". É o que nos revela ms. da época.130
Denis refere-se à considerável população que ele denomina
ocidental, isto é, de europeus de origem não-ibérica que, nos
Frincípios do século XIX, já se faziam sentir no meio brasileiro:
r=eses, ingleses, suíços, alemães, irlandeses, suecos, dinamar-
queses, russos.131 Nem todos, e certo, do tipo "burguês" e "indus-
triar. Mas os de influência mais poderosa eram, com certeza,
desse tipo; e a eles se deve a introdução, em nosso País, de nume-
rosos vaiores industriais e técnicos "burgueses", ao lado do abur-
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